
Reconhecer a importância e o significado dos ciclos da vida e da morte em função da dualidade de suas naturezas não é uma missão fácil. Enquanto a vida traz em si a esperança do nascimento, a busca pelo novo, a espera do futuro, a morte nos insere em nossa realidade de mortalidade e brevidade, em nossa realidade de seres dependentes dos elos biológicos que nos mantém vivos.
Requer de nós sabedoria para compreender à nossa volta e dentro de nós, para captar as situações temporais, para compreender a natureza, os ciclos ecológicos e ambientais e sobretudo nos entender como parte deste processo. Quando nos entendemos como elos que compõem o complexo da Vida e não somente espectadores da vida, nos permitimos compreender que vida e morte devem cumprir suas missões. Missões estas, que mesmo apresentando suas dualidades, suas funções distintas mantém a continuidade da vida, portanto estão inseridas no mesmo complexo, o ciclo da Vida.
Quando deixamos de nos alimentar de carnes alegando sofrimento animal estamos nos contradizendo duas vezes, no primeiro momento estamos nos retirando do complexo ecológico da vida, criando o risco de gestar um mundo paralelo à verdadeira realidade de seres humanos, de seres que dependem dos elos biológicos para estar vivo e ter saúde. Não somos meros espectadores, somos parte da natureza, me questiono aqui se carne criada em laboratório não seria um retirar-se da natureza enquanto espécie, se não seria uma forma de mundo paralelo criado em relação a nossa realidade de seres humanos.
E no segundo momento estamos duvidando da nossa capacidade de seres pensantes, que têm inteligência e capacidade para criar alternativas. Alternativas que geram conhecimento e tecnologia, que adotam técnicas científicas pensando tanto nos seres humanos quanto nos animais. Podemos citar aqui as inúmeras técnicas científicas, que já são largamente utilizadas nos sistemas produtivos pecuários, que geram bem-estar animal, melhores condições de desempenho produtivo, respostas à dor e sofrimento animal, proporcionando dietas saudáveis e seguras em respeito à saúde humana, ao meio ambiente e aos animais.
O Abate Humanitário no Brasil é Lei. A Instrução Normativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Nº 3, de 17 de janeiro de 2000, define o abate humanitário como um conjunto de diretrizes técnicas e científicas que garantam o bem-estar dos animais desde a recepção até a operação de sangria.
Cuidados que garantam o bem-estar dos animais são de grande importância em cada etapa da cadeia produtiva, promovendo a obtenção de matéria-prima saudável e de elevada qualidade. A qualidade da carne é caracterizada por suas propriedades físico-químicas (maciez, sabor, cor, aroma e suculência) que são determinados por fatores individuais do animal (genética, idade, sexo), fatores de manejo na propriedade de origem (manejo nutricional, manejo sanitário e manejo geral), e fatores ligados ao abate (transporte e manejo de abate). Vamos destrinchar um pouco os fatores ligados ao abate.
No transporte, os animais devem ser transportados até o matadouro em caminhões previamente limpos e desinfetados. O manejo de pré-abate consiste em descanso, dieta hídrica e banho de aspersão. O período de descanso e dieta hídrica no matadouro é o tempo necessário para que os animais se recuperem totalmente do estresse causado pelo deslocamento do local de origem até ao estabelecimento de abate. O objetivo do banho de aspersão dos animais antes do abate é limpar a pele para assegurar uma esfola higiênica, reduzir a excitação dos animais, promover vasoconstrição periférica favorecendo a sangria.
O manejo durante o abate consiste em insensibilização e sangria. A insensibilização é promover o estado de inconsciência no animal até o final da sangria, garantindo que não há sofrimento ao animal. Numerosos estudos confirmaram que quando o atordoamento é realizado com dardo cativo com penetração há imediata perda de consciência dos animais. E a sangria é indispensável para que seja removida a maior quantidade de sangue possível, uma vez que a carcaça mal sangrada apresenta, invariavelmente, um aspecto desagradável além de se constituir em um excelente meio de cultura para o crescimento de microrganismos.
O setor produtivo pecuário trabalha de forma ética, baseado em padrões internacionais de produção, sempre visando os anseios do mercado e seus consumidores. Prova disto, são as tecnologias largamente utilizadas, adaptações de legislações vigentes do setor, investimentos em pesquisas, aperfeiçoamento de manejos que atendam o bem-estar animal, implantação dos manejos de práticas sustentáveis ligados ao meio ambiente, aplicação de tecnologias zootécnicas e sanitárias.
Portanto, deixar de comer carne alegando consciência humanitária para com os animais é um argumento frágil frente ao nosso entendimento de que somos parte do ciclo da vida. É um argumento pobre frente ao entendimento de que a ciência nos possibilita abate sem sofrimento ao animal e produção de carne de forma sustentável.
Melina de Oliveira Daud – Médica Veterinária formada pela Universidade Federal de Goiás, Pós-Graduação em Reprodução e Produção de Bovinos pela FACESPI, Fiscal Estadual de Defesa Agropecuária do Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso, Água Boa MT.