A Guerra no Afeganistão foi o conflito encabeçado pelos Estados Unidos no Oriente Médio após os atentados do 11 de setembro nos Estados Unidos. Após quase duas décadas de disputas, os EUA anunciaram a retirada das tropas do país e o grupo extremista islâmico Talibã retomou o poder em Cabul, capital do país, neste domingo (15/08/21).
Abaixo, em 8 pontos, entenda o que foi a guerra do Afeganistão e quais foram as principais consequências.
1. O que foi a guerra e por que ela ocorreu?
Em 11 de setembro de 2001, uma série de ataques nos EUA mataram quase 3 mil pessoas. Osama bin Laden, o chefe do grupo extremista Al-Qaeda, foi identificado como responsável pelos atentados.
Na época, o Talibã detinha o controle sobre o Afeganistão e tinha alianças com grupos terroristas, como a própria Al-Qaeda. Além disso, havia suspeita de que Bin Laden estivesse em território afegão, acobertado pelos extremistas, que se recusavam a entregá-lo para o governo americano.
Por isso, um mês depois dos atentados de 11 de setembro, os EUA lançaram ataques aéreos contra o país.
2. Quem são os participantes?
Além dos EUA, outras nações entraram na guerra em apoio aos americanos – como a França, a Alemanha e o Reino Unido –, e o Talibã perdeu terreno. A coalizão conseguiu estabelecer, em Cabul, um governo apoiado pelo Ocidente.
Soldados franceses que compõem as tropas da Otan em regimento no Afeganistão, nesta terça (31), em Cabul — Foto: Alexander Klein / AFP
Mas o grupo não desapareceu por completo. O Talibã seguiu com ataques, atentados e expandiu sua influência política. Com a ajuda de soldados afegãos, as forças internacionais tentavam conter o grupo.
Os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) atuaram por duas décadas para proteger seus aliados, mas começaram sua retirada em maio de 2021.
3. Quem ganhou?
Ao ocupar o palácio presidencial do Afeganistão em 15 de agosto, os talibãs afirmaram “nós ganhamos a guerra, os EUA perderam”.
Os americanos, no entanto, alegam que a missão foi “um sucesso” por ter conseguido encontrar e matar o líder da Al-Qaeda, Bin Laden.
No entanto, a operação batizada “Liberdade Permanente” não parece ter garantido a manutenção das liberdades individuais, um dos temores principais com a volta do Talibã ao poder.
A retomada do poder pelo grupo extremista escalou rapidamente desde a saída dos americanos da base aérea de Bagram, principal instalação militar no Afeganistão, no início de julho.
Com o espaço devolvido para o controle do governo afegão, se deu o fim “na prática” da presença americana no país – ainda que algumas tropas seguissem em Cabul.
Essa abertura americana foi um sinal vermelho para que os talibãs avançassem, em menos de dois meses, e tomassem o poder das principais cidades do país, incluindo a capital.
4. Quantos morreram?
Uma pesquisa da Universidade Brown, nos EUA, divulgada pela rede BBC estima em mais de 242 mil as vidas perdidas durante o conflito – entre civis, militares e insurgentes.
Mais de 2,3 mil militares americanos foram mortos e mais de 20 mil foram feridos. Mais de 450 britânicos foram mortos, assim como centenas de soldados de outras nacionalidades.
Segundo a estimativa, ao menos 69 mil civis morreram em decorrência dos conflitos no Afeganistão e também nas áreas da fronteira com o Paquistão.
Número de mortos na guerra do Afeganistão entre 2001 e 2021 — Foto: Universidade Brown
5. Afeganistão x Vietnã?
A apressada saída dos americanos da capital afegã têm sido comparada com a queda de Saigon, em 1975, durante a Guerra do Vietnã.
O secretário de estado americano, Anthony Blinken, rebateu a comparação e diz que situação e muito diferente e que os EUA “tiverem sucesso” na missão do Afeganistão.
A Guerra do Vietnã é considerada uma das maiores derrotas militares da história americana. Um registro da época mostra uma fila de civis tentando embarcar em um helicóptero na embaixada americana .
Comparação entre fotos da saída dos EUA de Saigon, Vietnã, e de Cabul — Foto: Arte G1
No dia do cerco a Cabul, imagens semelhantes foram registradas, quando um helicóptero militar americano sobrevoou a capital afegã em direção ao aeroporto internacional.
Blinken afirma que os EUA tiveram sucesso na missão no Afeganistão por ter conseguido encontrar e matar o líder da al-Qaeda Osama Bin Laden.
Em Saigon, os americanos deixaram o país sob a derrota do exército vietnamita o que levou a reunificação do país sob um governo comunista após dez anos de conflitos.
6. Porque mesmo após 20 anos, o Talibã venceu?
Desde a criação, o objetivo do Talibã era impor uma lei islâmica, que os integrantes interpretavam de sua maneira, no país. O Talibã conseguiu esse objetivo rapidamente: em 1996, eles capturaram Cabul.
Formado em 1994 por ex-guerrilheiros conhecidos como mujahidin, que tinham participado do confronto com forças soviéticas no país – inclusive com o apoio dos Estados Unidos –, o grupo extremista se reergueu financeiramente ao longo destes 20 anos, com base em atividades ilícitas e se tornando o mais poderoso empreendimento do Afeganistão.
De acordo com um relatório confidencial da Otan obtido no ano passado pela Radio Free Europe/Radio Liberty, o orçamento do grupo para o exercício de 2019-20 foi de US $1,6 bilhão (R$ 8,4 bilhões na cotação atual), proveniente de fontes diversas, a grande maioria ilícita.
Listado em 2016 pela Forbes como o quinto mais rico entre dez organizações consideradas terroristas, com faturamento de US $400 milhões, o grupo quadruplicou em cinco anos seu patrimônio.
Combatentes do Talibã assumem o controle do palácio presidencial afegão em Cabul, capital do Afeganistão, após o presidente Ashraf Ghani fugir do país em 15 de agosto de 2021 — Foto: Zabi Karimi/AP
Seus negócios prosperam, oriundos sobretudo do tráfico de drogas, de extorsão e cobrança de impostos de fazendeiros de papoula, da mineração e de doações de fundos de caridade, especialmente de países do Golfo.
Ainda assim, conforme constata o informe confidencial, o grupo busca a independência financeira que lhe permita autofinanciar a insurgência “sem a necessidade de apoio de governos ou de cidadãos de outros países.”
O poder do Talibã contrasta com o debilitado governo afegão, corrupto, dividido e dependente de forças estrangeiras.
Segundo o analista politico Oliver Stuenkel, é improvável que o grupo extremista se aproxime dos EUA ou de organismos internacionais .
7. Por que os EUA saíram se o Talibã não foi derrotado?
Após a morte de Bin Laden, ainda no governo de Barack Obama, alguns prazos foram estipulados para a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão.
A princípio, até janeiro de 2017, data da troca de presidentes nos Estados Unidos, o país não teria mais soldados em território afegão. Contudo, na época, Obama declarou que o Afeganistão não estava pronto ainda para a retirada completa das tropas e apenas reduziu o contingente para 9 mil militares.
Foto de 2009 mostra soldados dos EUA no Afeganistão — Foto: Manpreet Romana/AFP
Sob o governo de Donald Trump, os americanos e o Talibã assinaram em fevereiro de 2020 um acordo que previa a retirada completa, em 14 meses, das tropas americanas e da Otan do território afegão.
A retirada das tropas americanas do Afeganistão dependia do cumprimento, pelo Talibã, de compromissos previstos no acordo – como não permitir que a Al-Qaeda ou qualquer outro grupo extremista opere em áreas controladas por ele.
Os talibãs também se comprometeram a não enfrentar tropas estrangeiras, mas seguiu com ações contra o exército afegão durante este período.
Em entrevista ao podcast O Assunto, a jornalista Adriana Carranca avalia que os EUA não conseguiram conquistar a população jovem do Afeganistão.
A autora do livro “O Afeganistão depois do Talibã”, disse também que a situação de vulnerabilidade das mulheres sob um regime extremista é uma preocupação e gera pânico.
“As meninas estão com muito medo”, relata Carranca.
8. Os custos da guerra para os EUA
A guerra do Afeganistão custou aos cofres públicos dos EUA um valor estimado em cerca de US$ 2 trilhões, segundo a agência Associated Press. Uma despesa difícil de justificar frente a opinião pública dos americanos.
O dinheiro foi destinado para compra de equipamentos, e a manutenção das tropas no exterior. Além disso, os EUA investiram cerca de US$ 83 bilhões no exército afegão
No entanto, os valores teriam sido mal investidos, isso porque os americanos não levaram em consideração problemas locais, como a alta taxa de analfabetismo e a falta de energia elétrica, o que dificultava o uso de aparelhos altamente tecnológicos pelo exército afegão.
Além disso, os EUA ainda precisaram desembolsar cerca de US$ 2 trilhões para despesas com a saúde de soldados feridos, amputados e também com a repatriação e enterro dos mortos em combate.
G1 Mundo